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A Legalidade das Tarifas Bancárias no Ordenamento Jurídico Brasileiro

A cobrança de tarifas bancárias é um dos temas que mais gera dúvidas e controvérsias entre os consumidores de serviços financeiros. Muitas vezes, essa prática é confundida com abuso ou prática lesiva

A cobrança de tarifas bancárias é um dos temas que mais gera dúvidas e controvérsias entre os consumidores de serviços financeiros. Muitas vezes, essa prática é confundida com abuso ou prática lesiva, o que pode levar à judicialização desnecessária de relações contratuais lícitas e devidamente regulamentadas. No entanto, é essencial compreender que as tarifas cobradas pelas instituições financeiras possuem fundamento legal e regulatório claro, não configurando, por si só, qualquer infração aos direitos do consumidor quando observados os princípios da transparência, da informação e da legalidade.

As instituições financeiras, enquanto entes sujeitos à fiscalização do Banco Central do Brasil (Bacen), operam sob um regime normativo próprio, que estabelece limites e critérios para a cobrança de tarifas. A principal norma que rege a matéria é a Resolução nº 3.919/2010 do Bacen, a qual dispõe sobre a cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte de instituições financeiras autorizadas a funcionar no país. Essa resolução delimita quais serviços podem ser tarifados, determina a obrigatoriedade de disponibilização de pacotes padronizados e exige ampla publicidade e clareza nas informações prestadas ao consumidor. A norma ainda assegura ao cliente o direito de optar por um pacote gratuito, denominado "serviços essenciais", que contempla um conjunto básico de operações bancárias sem cobrança de tarifa

Do ponto de vista do direito do consumidor, a cobrança de tarifas encontra respaldo no artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), que assegura ao consumidor o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços. Dessa forma, desde que as tarifas sejam previamente informadas, estejam contratualmente previstas e reflitam contraprestações efetivas, sua exigência não configura prática abusiva. Ao contrário, insere-se no exercício regular de um direito contratual, amparado tanto pelo CDC quanto pelo ordenamento jurídico financeiro.

A doutrina tem reforçado essa perspectiva. Para Cláudia Lima Marques (2011), o dever de informação é um dos pilares das relações de consumo, sendo indispensável para garantir a autonomia da vontade e o equilíbrio contratual. Assim, a tarifa, quando informada e aceita, não representa violação ao sistema protetivo do consumidor, mas sim um exercício legítimo da liberdade contratual dentro dos limites impostos pela legislação e pela regulamentação administrativa. Da mesma forma, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (2017) destacam que o controle judicial da abusividade deve se pautar em critérios objetivos, não podendo a abusividade ser presumida, mas sim demonstrada por meio de desequilíbrio contratual ou onerosidade excessiva.

No âmbito jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou reiteradas vezes reconhecendo a legalidade da cobrança de tarifas bancárias, desde que haja transparência e previsão contratual. Em julgamento paradigmático (REsp nº 1.251.331/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª Seção, julgado em 28/08/2013), o Tribunal consolidou o entendimento de que a cobrança de tarifas não é, por si só, abusiva, exigindo-se prova concreta da violação a direitos do consumidor. Em outras palavras, não basta alegar desconhecimento ou discordância: é preciso demonstrar efetivo abuso, ausência de informação clara ou desproporção contratual.

A relação entre bancos e consumidores, embora regida por normas protetivas, também se sustenta nos princípios da boa-fé objetiva, da autonomia da vontade e da função social do contrato. Isso significa que o consumidor também possui deveres, como a diligência de ler contratos, solicitar esclarecimentos antes da contratação e acompanhar as condições acordadas. A simples alegação de desconhecimento das tarifas não basta para desconstituir um contrato celebrado com observância da legalidade e da transparência.

É importante ainda ressaltar que o setor bancário é um dos mais regulados do país, submetido ao Bacen, ao Conselho Monetário Nacional (CMN), à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a um complexo arcabouço normativo que visa proteger não apenas os consumidores individualmente, mas a própria estabilidade do sistema financeiro nacional. Nesse contexto, as tarifas constituem não apenas um mecanismo legítimo de remuneração por serviços prestados, mas também um instrumento que permite a personalização de pacotes e a diferenciação de serviços conforme o perfil de cada consumidor.

Sob o ponto de vista econômico, as tarifas bancárias representam fonte significativa de receita para as instituições, possibilitando a manutenção de agências, sistemas digitais, canais de atendimento e medidas de segurança. Sem elas, o custo dos serviços teria de ser compensado por meio do encarecimento de produtos como crédito e financiamentos, o que poderia restringir o acesso da população de menor poder aquisitivo a serviços financeiros básicos. Por isso, a regulamentação busca justamente equilibrar a viabilidade econômica das instituições e a proteção dos consumidores, criando mecanismos de moderação e transparência.

No plano principiológico, observa-se a convergência entre os princípios do direito bancário e do direito do consumidor. O princípio da boa-fé objetiva impõe deveres de lealdade, cooperação e transparência a ambas as partes, funcionando como freio a eventuais abusos. Já o princípio da função social do contrato reforça que a autonomia privada deve estar em sintonia com a proteção da parte hipossuficiente e com o equilíbrio contratual.

Em conclusão, a cobrança de tarifas bancárias é prática legítima, juridicamente amparada e devidamente regulamentada pelas autoridades competentes. Desde que observados os princípios da transparência, da informação adequada e do consentimento livre do consumidor, não se pode falar em abusividade. Eventuais excessos ou desvios devem ser analisados caso a caso, com base em prova concreta de infração aos direitos do consumidor. O fortalecimento da educação financeira e a compreensão do marco legal vigente são essenciais para a redução de litígios desnecessários e para o equilíbrio das relações contratuais bancárias.

Referências

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 12 set. 1990.

BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução nº 3.919, de 25 de novembro de 2010. Dispõe sobre a cobrança de tarifas pela prestação de serviços por instituições financeiras. Diário Oficial da União, Brasília, 26 nov. 2010.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 7. ed. São Paulo: RT, 2011.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 12. ed. São Paulo: RT, 2017.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1.251.331/RS. Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª Seção, julgado em 28/08/2013, DJe 24/09/2013.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Jurisprudência sobre tarifas bancárias. Disponível em: https://www.stj.jus.br. Acesso em: 23 set. 2025.

Sobre o autor: Catherine Alessi Machado, advogada, com experiência em Direito Civil, Consumidor e Empresarial, além de vivência em comércio exterior.

Sobre o escritório: Fundado em 2003, o VIGNA ADVOGADOS ASSOCIADOS possui sede em São Paulo e está presente em todo o Brasil com filiais em 15 estados. Atualmente, conta com uma banca de mais de 280 advogados, profissionais experientes, inspirados em nobres ideais de justiça. A capacidade de compreender as necessidades de seus clientes se revela em um dos grandes diferenciais da equipe, o que permite desenvolver soluções econômicas, ágeis e criativas, sem perder de vista a responsabilidade e a qualidade nas ações praticadas.